LUZ, CÂMERA, HISTÓRIA! O FILME NA SALA DE AULA
ASSISTIU... NA ESTRADA
On The Road - Na Estrada:
do
livro à telona; da telona à sala de aula
Liberdade. Uma palavra cujo
significado é difícil precisar.
Jack Kerouac, escritor norte-americano, mergulhou nessa aventura. Não na tentativa de
conceituá-la, mas para experenciá-la. Seu romance On The Road (Na
Estrada) foi escrito a partir das suas vivências em viagens pelos Estados
Unidos e México. Para dar conta do ritmo alucinante com que redigia, colava os
papéis para não precisar trocá-los na máquina de escrever. Uma viagem sem
paradas. O volume redigido assustou o editor, que lançou a primeira edição em
1957 – seis anos depois de receber os originais.
A trama é simples: Sal Paradise
(espécie de alterego de Kerouac) põe o pé na estrada em uma viagem pelo país
com seus amigos, em especial Dean Moriarty a quem admira com seu jeito louco e
sedutor. O livro é resultado do rememorar dessas aventuras.
Mas a simplicidade para por aí. A
densidade das experiências revela as angústias daquela geração nascida em meio
a grande depressão capitalista de 1929, do entreguerras (1918-1939),
das ditaduras fascistas e comunistas e dos horrores da 2ª Grande Guerra
(1939-45). O mundo parecia pequeno demais segundo os valores do american way
of life (o modo de vida americano).
Kerouac, assim como outros jovens
escritores, músicos, artistas, procuraram um caminho fora dos padrões.
Puseram-se a percorrer o mundo, contestando-o. Um exercício para decifrá-lo,
entenderem a si mesmos e tentar mudar a realidade. Experimentar era o método.
Whisky, maconha, benzendrina e outros fármacos estavam na dieta. Quebra de
tabus sexuais, orgias, homossexualidade rompiam os pudores e moralismo.
Naturalmente, tamanha entrega tinha o seu preço: ressaca corpórea, mental e
emocional. Mas fazia parte do processo para se conhecerem, se libertarem e
favorecer a criação artística.
Esse grupo, no qual se destacam
também, entre outros, Allen Ginsberg, William Burroughs, Gregory Corso, gritou
alto e ecoou no mundo ocidental: ficou conhecido como a geração beat, ou
beatniks. Em meados de 50 outros jovens artistas foram associados ao
movimento dado seu modo criativo e contestador das regras sociais. Nos anos 60,
em meio à guerra fria, ditaduras, guerra do Vietnã, discriminações
étnico raciais, contestações em todo o mundo capitalista e socialista
explodiram. Os protestos políticos e sociais passaram pelos códigos culturais e
comportamentais. Uma década de protestos na qual os beatniks foram
alçados ao Olimpo. Inspirados em Kerouac, Ginsberg e companhia, as novas
gerações certamente vivenciam um sentido de liberdade bem distinto daquele da primeira metade do século passado.
On The Road é, portanto,
um estandarte da geração beat. Um testemunho histórico de uma revolução
cultural. Adaptar toda essa densidade para o cinema não é tarefa fácil, como atesta
o fato de nenhum diretor e produtor terem encarado o desafio – aparte o livro
ser uma referência formadora entre a maioria quase absoluta do mundo artístico.
Coube ao diretor brasileiro
Walter Salles Júnior (Terra Estrangeira, Central do Brasil, Abril
Despedaçado, Diários de Motocicleta) a tarefa. Felizmente, a lacuna
foi preenchida e com bom resultado de adaptação da linguagem literária para a
cinematográfica. Mais uma vez o diretor se vê às voltas com um road movie (filme
de estrada), cuja dinâmica segue o ritmo de uma viagem. Sua experiência nesse
gênero reflete na segurança com que dirige o filme: tomadas, enquadramentos,
luz, cortes e montagem, enfim as especificidades técnicas que lhes credenciam
como um respeitado diretor. A adaptação do roteiro ficou a cargo de Jose
Rivera, enquanto a linda fotografia tem créditos de Eric Gautier (ambos
trabalharam com o diretor em Diários de Motocicleta).
Pode-se até encontrar algumas
críticas quanto a uma idealização romântica do livro, exemplificada em um Sal
Paradise quase blasé mesmo nos momentos em que as coisas não iam muito
bem. De fato, ao ler o livro a angústia daqueles personagens-reais é a tônica
da narrativa de Kerouac. Mas esses são o Sal, Dean, Camille, Marylou, Bull nas
lentes de Walter Salles; e em nada prejudica o filme.
É um capítulo a parte a trilha
sonora que conduz os personagens em sua busca desenfreada pela vida. No final da
década de 1940, um jazz com fraseado rápido e experimental embala os freqüentadores
de bares e inferninhos norte-americanos, indo ao encontro dos anseios da geração
beat. E posso dizer que a sedução daqueles acordes e arpejos transpassa a
telona e deixa a plateia chapada. Sair do cinema com vontade de
comprar a trilha do filme não parece que será exclusividade de um espectador...
On the Road é um documento
geracional, apropriado pelas gerações vindouras. O filme recoloca suas questões
básicas: liberdade, criatividade, honestidade. Mas como trabalhar em sala de aula um texto e um
filme com imagens tão fortes como as descritas cenas com muito sexo, muitas
drogas, linguajar fora da norma culta, tudo isso envolto a um jazz sedutor?
Certamente observar a faixa
etária é fundamental. Mas, mais do que uma questão de idade, o perfil da turma
é que deverá orientar o planejamento para seu uso pedagógico. Por essa via,
talvez um projeto interdisciplinar seja o caminho ideal. É perceptível o
potencial das temáticas levantadas pelo livro/filme nos campos disciplinares
da, entre outras, história, literatura, artes, música, geografia, bem como
temas como sexualidade, drogas, família, cidadania; tão caros à formação
estudantil. Temas que ainda provocam polêmica e por isso permanecem atuais. Mas
que, como nos ensinaram os personagens da novela de Kerouac e pelos reais beatniks,
precisam ser tratados de frente, problematizados com honestidade. Afinal, preconceitos
e hipocrisia não condizem com a liberdade – nem de ensinar, nem de aprender.
(veja trailer do filme em: http://www.youtube.com/watch?v=uUzklNReJbs)
Para saber um pouco
mais sobre o tema, vale a pena ler:
|
On The Road (Na estrada), de Jack Kerouac |
|
Naked Lunch (Almoço Nu), de William Burroughs |
|
Geração Beat, de Cláudio Willer |
E ainda assisitir aos filmes :
|
Mistérios e Paixões (dirigido por
David Cronenberg, 1991)
(adaptação de Almoço
Nu – em infeliz tradução para o português) |
|
Beat
(dirigido por Gary Walkow, 2000) |
Rodrigo de Almeida Ferreira
Ficha técnica:
Diretor: Walter Salles
Elenco: Kristen Stewart, Amy Adams, Viggo Mortensen, Kirsten Dunst, Garrett Hedlund, Alice Braga, Sam Riley.
Produtor: Francis Ford Copolla
Produção: Charles Gillibert, Nathanaël Karmitz, Jerry Leider, Rebecca Yeldham, Walter Salles
Roteiro: Jose Rivera
Fotografia: Eric Gautier
Trilha Sonora: Gustavo Santaolalla
Duração: 137 min.
Ano: 2011
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: PlayArte
Estúdio:
American Zoetrope / Film4
/ MK2 Productions / Video Filmes
Classificação: 16 anos
(disponível em: http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/na-estrada/id/17178)